Pesquisadores do IOC/Fiocruz analisam amostras de roedores em Campo Novo do Parecis
RIO — Após desaparecer por mais de duas décadas, um dos mais perigosos micro-organismos do mundo voltou a atacar no Brasil. O vírus sabiá matou no último dia 11 um morador de Sorocaba (SP) de febre hemorrágica, confirmou ontem o Ministério da Saúde. O sabiá causa uma doença chamada febre hemorrágica brasileira. Até agora, havia apenas quatro casos conhecidos.
Porém, mais do que qualquer outra nação, o Brasil precisa estar vigilante e preparado para a emergência de vírus assim, pois somos o país com o maior número de arenavírus — vírus do mesmo gênero do sabiá —, adverte a especialista Elba Lemos, chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O ministério classificou o caso como um evento de saúde pública grave. O virologista Pedro Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e professor da Universidade do Estado do Pará, salienta que não existe risco de epidemia de febre do sabiá, mas observa que não se pode descartar novos casos. A taxa de letalidade do sabiá é desconhecida porque há poucos casos. Mas se estima que seja de 20% a 60%. Não existem vacina ou tratamento específico.
Há no Brasil, adverte Elba Lemos, dez espécies de arenavírus. Todos são transmitidos pela inalação de partículas de urina, fezes e saliva de roedores silvestres em suspensão no ar. Entre eles estão o sabiá, o xapuri e o aporé. Esses dois últimos foram descobertos no ano passado pela equipe da própria Elba. Receberam os nomes em alusão às localidades no Acre e no Mato Grosso do Sul onde foram identificados a partir da amostra de sangue de roedores silvestres.
Elba Lemos diz que o Brasil pode ter mais casos de arenavírus sem saber. Isto porque poucos laboratórios têm capacidade de fazer testes como os que levaram à identificação do caso em São Paulo.
— Os sintomas das febres hemorrágicas se confundem e esses casos passam como se fossem invisíveis. Num país de epidemias de arboviroses hemorrágicas, como dengue e febre amarela, casos podem ser confundidos. Por isso, a vigilância e o diagnóstico diferencial são fundamentais. Temos vírus e roedores silvestres em abundância e pessoas nas áreas onde eles existem. A maioria das pessoas nunca ouviu falar de arenavírus, mas eles estão aqui, têm letalide elevadíssima. São um problema invisível — diz ela.
Os cientistas frisam que vírus estão sempre à espreita no Brasil e no exterior. Arenavírus aparentados ao sabiá causam neste momento surto na Bolívia, onde mataram três pessoas no ano passado. A Ásia enfrenta a emergência de um novo coronavírus causador de doença respiratória letal. Um parente dele, o vírus Sars, causou epidemia mundial em 2002.
— Vigilância preventiva, identificar esses agentes quando só infectam animais e representam uma ameaça, mas não causam ainda doença, é essencial — acrescenta Elba.
O grupo dela já identificou roedores silvestres com arenavírus nos estados de Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Acre. O pesquisador Jorlan Fernandes, do mesmo laboratório do IOC, dedicou o mestrado e o doutorado à investigação dos arenavírus no Brasil.
— Muito provavelmente esse caso foi identificado porque ocorreu no estado de São Paulo, o mais rico do país, onde houve acesso a laboratórios altamente sofisticados. Mas os roedores hospedeiros desses vírus vivem nas áreas rurais, em localidades sem acesso a esses serviços de saúde. Por isso, o país dispor de pesquisa, diagnóstico diferencial e vigilância preventiva é tão fundamental — destaca Fernandes.
O sabiá leva o nome do bairro de Cotia, no estado de São Paulo, onde provavelmente a primeira pessoa a morrer da doença no Brasil foi infectada, em 1993. Era uma jovem de 25 anos e seu caso levou à descoberta do vírus. Outros dois casos foram de profissionais de saúde infectados acidentalmente. O quarto caso foi o de um trabalhador rural de 32 anos de Espírito Santo do Pinhal, também em São Paulo, em 1999.
O vírus sabiá está na mesma classe de risco do temido vírus africano ebola. Nessa categoria, a máxima, de número 4, estão causadores de febres hemorrágicas e o coronavírus sars. Os vírus 4 são aqueles que têm alta letalidade, são transmitidos pelo ar e podem passar de uma pessoa para outra. No caso dos arenavírus essa forma é rara.
Segundo o boletim do Ministério da Saúde, a transmissão de pessoa a pessoa de arenavírus pode ocorrer “quando há contato muito próximo e prolongado ou em ambientes hospitalares, quando não utilizados equipamentos de proteção, por meio de contato com sangue, urina, fezes, saliva, vômito, sêmen e outros fluidos corporais”.
O Brasil não tem laboratório de nível de segurança 4, o que significa que não pode isolar o vírus aqui. Pode, porém, analisar o material genético.
A identidade do homem de Sorocaba não foi revelada. Ele adoeceu em 30 de dezembro. Seus sintomas começaram com dores, náuseas e outros problemas fáceis de confundir com os da dengue.
O quadro se agravou com distúrbios neurológicos, manchas e hemorragias. Ele faleceu no dia 11 de janeiro, com falência múltipla dos órgãos e hemorragias. No dia 17, houve confirmação de que se tratava de uma arenavírus com “90% de similaridade com a espécie sabiá”.
O paciente passou por três hospitais. E o diagnóstico foi feito no Hospital Albert Einstein, que usou sofisticadas técnicas genéticas para identificar o culpado. Embora o homem morasse em Sorocaba, tinha viajado a Itapeva e Itaporanga, ambas em São Paulo, e consideradas pelo ministério o local mais provável de infecção.
Todas as pessoas que tiveram contato com o paciente, assim como os profissionais de saúde que o atenderam ou analisaram suas amostras, estão sendo acompanhados pelo ministério. Mas não é necessário isolamento sem que apresentem sintomas.
Fonte: Via O Globo – por Ana Lucia Azevedo